29 outubro 2006

CAPÍTULO 02

Já em meu cubículo, me desfaço das vestes que mais me incomodam: tudo. Por uma questão higiênica há uma exceção, mantenho apenas aquela mais íntima. “Por que?”, deve estar se perguntando, caro leitor. Prive-me de expor minha privacidade.
Assento-me à minha velha e boa poltrona. “Matrona” soa melhor diante daquele imenso e aconchegante colo. É o meu local de leitura.
Seguro em meu mais íntimo espaço, recordo-me do meu dia, a tal da mesmice. Obviamente que a mesmice, analisada sob um olhar mais crítico, nos mostra que nossa vida não é tão banal quanto a consideramos. Havia reunido a minha equipe em nosso escritório, pela manhã, para proclamar a todos que iríamos superar todos os recordes de vendas e de lucros até então atingidos. Tudo bem que eu ainda não era o big boss, o todo poderoso do setor, mas confiava em meu taco. E em minha equipe.
Quando herdei a cadeira de executivo naquela empresa, acreditei que herdara um tesouro que, devidamente lapidado, apenas traria vitórias. Durante anos, meus antecessores insistiam em se comportar como indivíduos de segunda classe, ofertando um produto de segunda categoria. Logo que ascendi ao cargo, percebi que tudo aquilo fora um mero engano: era como sermos os únicos donos do monopólio energético diante de uma sociedade privada e sequiosa, carente mesmo, de tal bem.
O mercado dava sinais de que era aquilo que queria, de que pagaria milhões a quem dominasse este setor. E lá estávamos nós, eu e minha equipe, na crista da onda. Acreditava-se que este seria a mais promissora atividade em crescimento. Era hora de eu fazer carreira, fazer nome!
Aumentamos a equipe. Contratamos três experientes e tarimbados profissionais de marketing, e fomos para o campo de batalha: anúncios, comerciais para TV, banners para a internet. Todo o trabalho de estudo de mercado já havia sido exposto, embasando todo o planejamento publicitário que se expunha, naquele momento, a nossa frente. Mas confesso: eu não estava certo de que tudo daria certo, apesar de minha confiança nos trabalhos, no produto e na minha equipe.
A tensão era impressionante: os donos do poder exigiam informações, em tempo real, de tudo o que nós fazíamos. “São os acionistas” – esclareciam vagamente, ignorando que ninguém ali era ignorante suficiente a acreditar em tais evasivas. Penso que toda empresa já possui em sua cultura uma série de jargões que todos usam a todo tempo, mas que servem como as grandes mentiras do engana que eu gosto: deixa comigo, pode confiar em mim, pode ficar sossegado, joga no meu peito (ou no peito do beque, quando se gosta de futebol), belo trabalho, minha avó está doente, estou com uma dorzinha aqui, bom dia etc etc etc. Ahg, isto me dá asco!!!
Pressão de cima, pressão de baixo: a equipe estava tensa e, apesar de ter todo o planejamento devidamente ordenado, percebi claramente que não sabia por onde começar. Seus rostos mostravam olhos bastante abertos, tez franzida, sobrancelhas altas, ombros encolhidos e tensos corpos. Um clima severo, sombrio mesmo, estava instalado e evoluía, à medida que o tempo passava: o tempo de chronos, o tempo do relógio. Por mais que eu a tentasse animar, tinha como resposta olhares mais amedrontados ainda. Foi terrível.
A mim, cabia o peso da responsabilidade. A sensação de medo da equipe, certamente, refletia pesadamente em mim. Eis um dos maiores problemas com o qual me deparo constantemente: o medo. Parece-me real, tenebroso, sempre à espreita, no aguardo de um certo momento para saltar sobre nós. Pior: quando nos domina, nos paralisa, nos prende ao chão. Sei que estou diante dele quando encosto na copa, para um breve café, e alguém da equipe se aproxima, como quem não quer nada, com aquela conversinha do tipo “Chefe, será que vai chover” ou “Chefe, está demorando para o fim de semana chegar”... é líquido e certo que perguntas capciosas virão. Pior: quando demoramos a responder, buscando na mente alguma informação que, pelo menos, nos afaste daquele ser, aquela sensação de impotência vai-se instalando e acumulando até que, quando se menos espera, tem-se o medo.
Nesta manhã, não foi diferente. Senti o cheiro do medo, senti o gélido toque de seus dedos na nuca, aquela voz surda e metálica que nos invade a cabeça. Se apossa de nós e, caso não se seja iniciado na boa arte da dissimulação, nos observamos inertes sob os olhares julgadores daqueles que nos observam, como se soubessem o que se passa em nosso mais pleno íntimo. Funesto!!
Assim, neste estado emocional, decidi que a equipe deveria descansar o restante do dia. A criatividade havia-se ido. A energia positiva, o impulso, a confiança se esvaíram. Que cada um usasse o restante de seu dia como melhor lhe aprouvesse. Foi assim que decidi ir ao café, onde encontrei o pequeno Livro amarelo.
Ali, agora, em minha “Matrona”, me sinto seguro. Cansado, pego meus postiços olhos (famigeradamente chamados óculos, para os íntimos, usados somente no segredo de meu lar) e os levo à face. Ponho-me a folhear o breve livreto.
Suas folhas apresentam manchas e cores que o tempo se incumbiu de imprimir sem, no entanto, apresentar qualquer indício de deterioração. Não há créditos, somente aquele carimbo que normalmente vem impresso na segunda folha, de ficha catalográfica, que, confesso, não me dou ao luxo de ler. O restante, tudo em branco. Aliás, amarelo. Não há sumário, não há dedicatória. Fotografias ou figuras: nem pensar. Estranho. Estranho mesmo. Possuía, sim, uma página belamente impressa, aparentemente manuscrita por algum monge enclausurado da idade média, que se especializou na arte da caligrafia gótica, tudo em negro sobre a folha antiga, sebosa do uso e da parafina que ali deva ter se impregnado enquanto escrevia à luz de vela. Apenas a primeira letra era bastante rebuscada e dourada, majestosa, encimando o texto.

20 outubro 2006

Divulgue o seu blog!

Capítulo 01

Foi assim o meu dia: mesmice. Grito de um rádio-relógio que pula uma hora. Pulo da cama. Sono. Aventura em busca dos chinelos perdidos. Sonolência. Banheiro, banho, barba. Roupas. Trânsito. Pingado. Ou pingado e trânsito. Sei lá: é sempre a mesma coisa, nada de novo. Expediente da manhã. Fila de almoço. Agência bancária. Expediente da tarde. Trânsito. Jantar. Qual jantar o quê? Passam das onze da noite. Cama. Boa noite.
De vez em quando me dou um presente: vou à cafeteria, me entregar à tentação da gula. Nela, percebe-se belíssimas sensações: com estrutura aparente, os pilares e as vigas metálicos à mostra, conjugados à alvenaria crua, sem textura, garantem o equilíbrio contrastante com a parede bem acabada, lisíssima pela massa corrida que nela se aplicou e alisou, suporte da belíssima obra de Jackson Pollock - ternamente pálida, cortada por finas navalhas que saem das artérias da tela. O ar, climatizado, garante o frescor constante e o aroma bem equilibrado do café. Sei, sei, o "perfum" é artificial. Mas me entrego: seria o Davi, de Michelangelo Buonarroti, um homem de verdade?
Por entre as cadeiras me desvio e reparo na solidão do espaço. Apenas as duas funcionárias da casa estão ali, naquela tarde da noite para um proletário. Procuro o meu cantinho de sossego. Ando aqui e ali, olhos rápidos e focados, buscando o melhor ângulo para se observar, a melhor acústica, a melhor brisa.
Encontro: no melhor dos melhores, um livro repousa sobre a mesa. Logo: ocupado. Continuo minha pesquisa e escolho uma mesa bem atrás da melhor opção. Pensando bem, acho que a mesa que escolhi é melhor que a outra. Lembro-me da fábula do lobo e das uvas.
Um belíssimo sorriso anota meu pedido, desaparece e ressurge com o néctar que mereço: um capuccino piu delicatto, ao qual me dedico com esmero no ritual de bem sorve-lo. Deliciosamente, me aquece o corpo e o espírito. Meu corpo rejubila-se: eis o maior segredo que, creio, esconde este suco indiano misturado ao leite. Às vezes agradeço aos céus por ter-nos garantido homens que não colocaram tal bebida no rol do vício: discriminado, portanto, eu seria. “Seu ébrio!!!” – diria a bela moça a que me dirigiria. “Que pecado...” – asseverariam as carolas. Fiquemos assim.
Pronto. Hora de ir para a caminha. O caminho é o mesmo, mas na ordem inversa. Êpa: olha o livro ainda ali, gente! Agora botei reparo: enquanto estive ali, sentado e em excelso deleite, não presenciei ninguém a se dirigir àquela mesa. Ninguém, aliás, a se mexer dentro daquele ambiente, à exceção das duas funcionárias, mesmo porque o local continuara vazio durante todo este tempo. Decido me aproximar dele.
O livro possui uma capa amarela, amarelão mesmo, com o título em dourado. Igualzinho a este aqui, que você percebe na foto aí, abaixo, de minha biblioteca, minha cara ou meu caro (como preferir ser tratado). O título: “O livro amarelo”. A curiosidade é a mãe de todas as necessidades. Ou a necessidade é a mãe de todas as invenções? No momento, fico com a primeira: me aproximo cuidadosamente, como quem não quer nada, mas com os olhos para lá e para cá, o corpo leve, lesto, verificando, claro, se alguém se aproxima. Toco o livro, estabelecendo a primeira prova material: o livro é verdadeiramente físico! Ele efetivamente existe. “Eureka!” – salta-me um rompante arquimediano.
Ninguém, nadica de pitibiribas, aparece. Olho para a moça do caixa, já com o livro aberto em minhas mãos e protegido pelo meu tronco dos olhares da outra funcionária. Percebo que ela nem sequer se preocupa comigo. Mas imagino. Pra dar um clima, obviamente. Rabisco uma olhadela: apesar de aparentemente em branco (oras, um livro em branco!?), noto que me engano, posta uma belíssima carta, colorida, que serve de prólogo, de prefácio de si. “Não, Ióre, não faça isso!” – me censurei. E se fosse meu e, ato contínuo, pegasse alguém tocando o meu livro, mexendo nele, se esfregando... sei lá: tem louco pra tudo. O que é que tu tá fazendo aí, ô companheiro?!! – certamente eu vociferaria ao indivíduo, no mais moderno e gramatical bom som. Portanto, não aprovaria.
Volto, então, a depositar o livro à mesa. Mas isto não é justo – argumentei, como se um outro eu estive bem ali, plantado à minha frente, me encarando. Me privei até agora de me assentar aqui, tive que me contentar com uma mesa localizada em ambiente de inferior qualidade... ora, ora: alguém tem que pagar por isto... – e perseverando – ...nada mais justo do que aquele que me privou do melhor local de pagar pelo feito... está decidido!. Num ato digno de Alexandre, aquele mesmo, cantado em verso e prosa aos quatro ventos da terra, o grande, tomo de assalto o pequeno objeto. É meu. E ponto.
Ponto?! Mas que ponto?! Certamente, não um ponto final: logo vem o outro, o terceiro, aquele todo de branco e com asas às costas, com uma harpa que soa uma insuportável, harmoniosa e expressiva combinação de sons. Se fosse somente os sons, a música, ainda vá lá... mas ele, não contente, quer mais. Quer me pregar uma peça: Meu filho – começa – ...pense bem, para quê fazer isto? Qual o bem que tal ato trará para.... Ih, e lá se vai o meu tempo. CHEGA! Tudo bem, tudo bem, vamos lá. Me dirigi ao caixa.
Meus parcos trocados, agarrados ao tecido de meu bolso (juro que eu posso ouvi-los gritando: “não, por favor, não nos tire daqui: é o nosso único lar, o único lugar em que fomos tão bem cuidados, quentinho... não, não, por favor, não!!!) são tomados pela moça do caixa, também possuidora de outro lindo sorriso, desvanecendo minha conta. Às minhas costas, anjo e demônio se degladiam em sofismas, tentando me convencer de que, mantendo o tal livro amarelo sob minhas axilas é fato mais constrangedor do quê a simples impressão de meu odor característico em suas folhas. Tenho que resolver este impasse. E concluí:
- Por favor, minha cara, estava eu àquela mesa quando verifiquei que alguém havia esquecido este livro sobre a mesa. Por acaso você sabe de quem é? – fui indagando, torcendo por algo a meu favor.
- Não, não. Se o senhor quiser, deixe comigo que, caso alguém o reclame, o entregarei ao dono.
Terrível! “Caso alguém o reclame, o entregarei ao dono?!”. Por acaso, sabe quanto me custou ficar sentado ali, àquele canto, privado daquele excelso local? Sabe? Certamente que não. Se soubesse, haveria de ratificar, de confirmar minha decisão. Mas não: “caso alguém o reclame, o entrarei ao dono.”. Confesso que essa educação, este jeito de falar todo educadinho, às vezes, me enerva.
- Tudo bem, minha querida. Aqui está. – e ponto. Final.
- Obrigada.
Saí dali cuspindo fogo. Educadinha. Por que devolver o livro? Chatinha. E a indulgência que o dono do livro teria que me pagar? Babaquinha. Que dono do livro o que... achado não é roubado!
- Hei, moço. – escutei. Virei-me.
- Amanhã eu não trabalho. – continuou a moça, a mesma que estava trabalhando junto ao caixa e que, agora, está aqui, bem à minha frente, em pé - Vai que a outra garota que me substituir se esqueça e este livro, sei lá, acabe se extraviando. Vamos fazer o seguinte: leve-o e deixe o seu número de telefone. Eu o deixarei anotado num "post-it", junto à mesa, caso alguém o reclame.
- Se alguém aparecer, certamente entraremos em contato com o senhor.
Êpa. “Senhor”??? Essa doeu.
- Não sei não. Será que isto não causará transtornos ao dono do livro? – iluminou-se o educadinho aqui.
- Pode ficar tranqüilo. Claro, se isto não for lhe causar nenhum transtorno...
Certamente que não, nenhum mesmo! Obrigado, obrigado, obrigado.
- Fiquemos acertados, portanto, assim. Obrigado.
E ponto. Agora sim: ponto final.

A idéia...

O sonho da reencarnação é o sonho de todos nós... humanos, obviamente. Telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor são os permissionários que nos garantem a vantagem de sermos diferentes dos demais neste planeta... e o que nos faz sonhar com a possibilidade da eternidade.
Creio que não viverei outras vidas ou, se o contrário se der, certamente não me lembrarei desta, como hoje não lembro das que vivi, se realmente as vivi.
Assim, quero fazer de minha existência a existência de milhares de outras, ainda aqui, como hoje. Ser vários e contar as várias que já tive. Tudo num turbilhão de tranquilidade. Graças e "desgraças" às minhas e a experiências de outros.
Aqui está a minha profissão de fé e endosso ao Grande e brilhante João que por estes Sertões Enveredou:

"Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens"

Bem vindo ao meu mundo. Conheça o meu mestre:
eis
O livro amarelo.

19 outubro 2006

Olá...

Bem vindo
ao meu espaço